O VALOR DO AFETO

A privação da convivência e do cuidado afetuoso, que pode ocorrer por parte dos entes parentais (tanto do pai como da mãe), é uma prática cujo protagonista, na grande maioria das vezes, é o pai. O curioso é que, em geral, o pai imagina que o fato de pagar a pensão alimentícia o tornaria “livre” da paternidade responsável e da afetividade dela decorrente.

Nesse ponto nasce a necessidade da intervenção do Estado para tutelar o afeto transformando-o em um bem, em um valor que o pai deve pagar ao filho vítima do “abandono afetivo”.

Você já ouviu falar em “abandono afetivo”?

O cuidado com os filhos está previsto na lei, que obriga e responsabiliza os pais nesse sentido, e a ausência desse cuidado é considerada “abandono afetivo”, pois viola os princípios de solidariedade e convivência familiar e pode gerar indenização por dano moral àquele que causou o prejuízo.

Isso porque a paternidade responsável, prevista no parágrafo 7º, do artigo 226 da Constituição Federal, não se resume ao cumprimento do dever de assistência material, ela abrange também o amparo moral como dever juridicamente protegido. Ou seja, não basta que o pai pague a pensão alimentícia, ele tem que participar da vida do filho, conviver com o menor, se dedicar à prole amparando-a para uma salutar formação psíquica e emocional, sendo ativo no desenvolvimento do infante como ser humano.

O artigo 227 da nossa Lei Maior e o Estatuto da Criança e do Adolescente conferem ao filho o direito à convivência familiar, suporte afetivo tão essencial para a construção do seu caráter.

É possível ajuizar ação com pedido de dano moral em razão do “abandono afetivo”?

Sim. A carência afetiva justifica a reparação civil pelo irremediável dano moral que a falta do carinho, da presença paterna e da atenção causam ao menor.

É muito comum que os pais acionados na justiça em razão do “abandono afetivo” dos filhos argumentem que não é possível “forçar a convivência e o amor”. Realmente, não há como obrigar um pai a amar seu filho, contudo a legislação assegura ao menor o direito de ser cuidado, que vai além de assistência material.

Mesmo que falte carinho do pai pelo filho, existe a obrigação legal de cuidar de seu descendente, resultado da liberdade de quem optou por gerar ou adotar filhos.

Se o pai promete visitar o filho, mas não comparece; se o filho sofre com a distância e a falta de carinho do pai; se o pai não dá atenção ao menor e não participa da vida do infante; se não aceita o filho e demonstra expressamente seu desprezo em relação ao menor, esse pai pode ser condenado a pagar indenização ao filho por dano moral.

Isso porque o pai tem o dever de participar do desenvolvimento do filho e a ausência e distanciamento do genitor podem ser considerados “abandono afetivo”, tendo em vista o direito do menor à convivência familiar prevista em lei.

Necessário esclarecer que, mesmo sem uma regulamentação judicial de convivência, a distância do pai pode ser considerada “abandono afetivo”. Portanto, por ser conduta ilícita que, como esclarecido acima, gera dano moral, deve ser arbitrada indenização visando ressarcir o filho e punir o comportamento do genitor ausente.

Inclusive, em decisão recente, na qual um pai foi condenado a indenizar a filha por “abandono afetivo”, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal destacou que “amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”. No mesmo sentido, a Ministra do Superior Tribunal Justiça, Nancy Andrighi, defende a seguinte ideia: “amar é faculdade, cuidar é dever”.

A base da família é o afeto e a paternidade responsável é tema de muita reflexão do Legislativo e do Judiciário, que se debruçam sobre o assunto visando a proteção jurídica das relações privadas objetivando a promoção do princípio da dignidade daquele que sofreu “abandono afetivo”.

Mas, afinal de contas, até onde deve o Estado interferir quando se fala de afeto? Como se pode cuidar de alguém sem ter afeto? É possível colocar preço ou ter algum controle sobre um sentimento? Qual seria a qualidade dessa emoção em relação ao convívio parental? Essas e outras perguntas surgem quando pensamos sobre o direito do filho, o amor parental e o abandono afetivo.

 

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